Retrato do Poeta Quando Jovem
José Saramago
Há
na memória um rio onde navegam
Os
barcos da infância, em arcadas
De
ramos inquietos que despregam
Sobre
as águas as folhas recurvadas.
Há
um bater de remos compassado
No
silêncio da lisa madrugada,
Ondas
brancas se afastam para o lado
Com
o rumor da seda amarrotada.
Há
um nascer do sol no sítio exacto,
À
hora que mais conta duma vida,
Um
acordar dos olhos e do tacto,
Um
ansiar de sede inextinguida.
Há
um retrato de água e de quebranto
Que
do fundo rompeu desta memória,
E
tudo quanto é rio abre no canto
Que
conta do retrato a velha história.
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