terça-feira, 10 de abril de 2012

Apostrofe à carne - Augusto dos Anjos


Apostrofe à carne

Augusto dos Anjos

 
Quando eu pego nas carnes do meu rosto. 
Pressinto o fim da orgânica batalha: 
— Olhos que o húmus necrófago estraçalha, 
Diafragmas, decompondo-se, ao sol posto...
 

E o Homem — negro e heteróclito composto,
Onde a alva flama psíquica trabalha,
Desagrega-se e deixa na mortalha
O tacto, a vista, o ouvido, o olfato e o gosto!
 

Carne, feixe de mônadas bastardas,
Conquanto em flâmeo fogo efêmero ardas,
A dardejar relampejantes brilhos,
 

Dói-me ver, muito embora a alma te acenda, 
Em tua podridão a herança horrenda,
Que eu tenho de deixar para os meus filhos!

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