Catar feijão
João Cabral de Melo Neto
Catar
feijão se limita com escrever:
jogam-se
os grãos na água do alguidar
e as
palavras na da folha de papel;
e
depois, joga-se fora o que boiar.
Certo,
toda palavra boiará no papel,
água
congelada, por chumbo seu verbo:
pois
para catar esse feijão, soprar nele,
e
jogar fora o leve e oco, palha e eco.
Ora,
nesse catar feijão entra um risco:
o de
que entre os grãos pesados entre
um
grão qualquer, pedra ou indigesto,
um
grão imastigável, de quebrar dente.
Certo
não, quando ao catar palavras:
a
pedra dá à frase seu grão mais vivo:
obstrui
a leitura fluviante, flutual,
açula
a atenção, isca-a com risco.
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