quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Calafrio - Francisco Carvalho

Calafrio

Francisco Carvalho


O amor
é um calafrio
que nos percorre
o corpo
e deságua
na foz
de um secreto rio.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

A canção do suicida - Rainer Maria Rilke

A canção do suicida


Rainer Maria Rilke


É sempre assim: no último momento
alguém vem e me corta
a corda.
Há pouco era tão intenso o meu intento
que eu já sentia o infinito nos
intestinos.

Uma colher me é estendida,
a colher da vida.
Não, já cheguei ao limite.
Permitam-me que eu me vomite.

Sei que a vida é boa e grande
e o mundo tem beleza à bessa,
mas ela não entra no meu sangue,
apenas sobe à minha cabeça.

A outros ela nutre, a mim só me afeta.
Creiam, a nem todos ela apraz.
Agora, por mil anos ou mais
vou precisar de uma dieta.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Matéria - Armando Freitas Filho

Matéria

Armando Freitas Filho


  Parece que os séculos
  cuidam dos castelos
  que no alto das montanhas
  são o sonho das pedras
  ou o desejo das nuvens.
  Escrever é uma pedreira.
  Se me atirasse daqui
  de uma de suas torres de marfim
  cairia, talvez
  inteiro
  em corpo reduzido
  na página de qualquer jornal.
  Escrever é uma pedraria.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Boca da Noite - Mário Quintana

Boca da Noite

Mário Quintana


No espelho roto das poças dágua
O céu entristece...
Jesus Cristo encontrou o Menino Jesus.
Houve uma leve hesitação no ar...
Houve, de fato, qualquer cousa no ar...
Meu amigo morto me pediu um cigarro.
O que seria que aconteceu?
Todas as vitrinas de repente iluminaram-se...
E há uma estrela morta em cada poça dágua...


sábado, 25 de fevereiro de 2012

A um Gérmen - Augusto dos Anjos

A um Gérmen

Augusto dos Anjos



 
Começaste a existir, geléia crua, 
E hás de crescer, no teu silêncio, tanto 
Que, é natural, ainda algum dia, o pranto 
Das tuas concreções plásmicas flua! 

A água, em conjugação com a terra nua, 
Vence o granito, deprimindo-o ... O espanto 
Convulsiona os espíritos, e, entanto, 
Teu desenvolvimento continua! 


Antes, geléia humana, não progridas 
E em retrogradações indefinidas, 
Volvas à antiga inexistência calma!... 

Antes o Nada, oh! gérmen, que ainda haveres 
De atingir, como o gérmen de outros seres, 
Ao supremo infortúnio de ser alma! 

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Balada do enterrado vivo - Vinícius de Morais

Balada do enterrado vivo


Vinícius de Morais


Na mais medonha das trevas
Acabei de despertar
Soterrado sob um túmulo.
De nada chego a lembrar
Sinto meu corpo pesar
Como se fosse de chumbo.
Não posso me levantar
Debalde tentei clamar
Aos habitantes do mundo.
Tenho um minuto de vida
Em breve estará perdida
Quando eu quiser respirar.
Meu caixão me prende os braços.
Enorme, a tampa fechada
Roça-me quase a cabeça.
Se ao menos a escuridão
Não estivesse tão espessa!
Se eu conseguisse fincar
Os joelhos nessa tampa
E os sete palmos de terra
Do fundo à campa rasgar!
Se um som eu chegasse a ouvir
No oco deste caixão
Que não fosse esse soturno
Bater do meu coração!
Se eu conseguisse esticar
Os braços num repelão
Inda rasgassem-me a carne
Os ossos que restarão!
Se eu pudesse me virar
As omoplatas romper
Na fúria de uma evasão
Ou se eu pudesse sorrir
Ou de ódio me estrangular
E de outra morte morrer!


Mas só me resta esperar
Suster a respiração
Sentindo o sangue subir-me
Como a lava de um vulcão
Enquanto a terra me esmaga
O caixão me oprime os membros
A gravata me asfixia
E um lenço me cerra os dentes!
Não há como me mover
E este lenço desatar
Não há como desmanchar
O laço que os pés me prende!
Bate, bate, mão aflita
No fundo deste caixão
Marca a angústia dos segundos
Que sem ar se extinguirão!
Lutai, pés espavoridos
Presos num nó de cordão
Que acima, os homens passando
Não ouvem vossa aflição!
Raspa, cara enlouquecida
Contra a lenha da prisão
Pesando sobre teus olhos
Há sete palmos de chão!
Corre mente desvairada
Sem consolo e sem perdão
Que nem a prece te ocorre
À louca imaginação!
Busca o ar que se te finda
Na caverna do pulmão
O pouco que tens ainda
Te há de erguer na convulsão
Que romperá teu sepulcro
E os sete palmos de chão:
Não te restassem por cima
Setecentos de amplidão!

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Poema de uma Quarta-feira de Cinzas - Manuel Bandeira

Poema de uma Quarta-feira de Cinzas


Manuel Bandeira


Entre a turba grosseira e fútil
Um Pierrot doloroso passa.
Veste-o uma túnica inconsútil
Feita de sonho e desgraça...

O seu delírio manso agrupa
Atrás dele os maus e os basbaques.
Este o indigita, este outro o apupa...
Indiferente a tais ataques,

Nublada a vista em pranto inútil,
Dolorosamente ele passa.
Veste-o uma túnica inconsútil,
Feita de sonho e desgraça...

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Um Homem e seu Carnaval - Carlos Drummond de Andrade

Um Homem e seu Carnaval

 Carlos Drummond de Andrade


Deus me abandonou
no meio da orgia
entre uma baiana e uma egípcia.
Estou perdido,
Sem olhos, sem boca
sem dimensões.
As fitas, as cores, os barulhos
passam por mim de raspão.
Pobre poesia.
O pandeiro bate
é dentro do peito
mas ninguém percebe.
Estou lívido, gago.
Eternas namoradas
riem para mim
demonstrando os corpos,
os dentes.
Impossível perdoá-las,
sequer esquecê-las.
Deus me abandonou
no meio do rio.
Estou me afogando
peixes sulfúreos
ondas de éter
curvas curvas curvas
bandeiras de préstitos
pneus silenciosos
grandes abraços largos espaços
eternamente.  

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

é muito claro - Ana Cristina Cesar

é muito claro

Ana Cristina Cesar

é muito claro
amor
bateu
para ficar
nesta varanda descoberta
a anoitecer sobre a cidade
em construção
sobre a pequena constrição
no teu peito
angústia de felicidade
luzes de automóveis
riscando o tempo 
canteiros de obras
em repouso
recuo súbito da trama

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Poema dum Funcionário Cansado - António Ramos Rosa

Poema dum Funcionário Cansado


António Ramos Rosa


A noite trocou-me os sonhos e as mãos
dispersou-me os amigos
tenho o coração confundido e a rua é estreita
estreita em cada passo
as casas engolem-nos
sumimo-nos
estou num quarto só num quarto só
com os sonhos trocados
com toda a vida às avessas a arder num quarto só
Sou um funcionário apagado
um funcionário triste
a minha alma não acompanha a minha mão
Débito e Crédito Débito e Crédito
a minha alma não dança com os números
tento escondê-la envergonhado
o chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola do quintal em frente

e debitou-me na minha conta de empregado
Sou um funcionário cansado dum dia exemplar
Por que não me sinto orgulhoso de ter cumprido o meu dever?
Por que me sinto irremediavelmente perdido no meu cansaço?

Soletro velhas palavras generosas
Flor rapariga amigo menino
irmão beijo namorada
mãe estrela música
São as palavras cruzadas do meu sonho
palavras soterradas na prisão da minha vida
isto todas as noites do mundo uma só noite comprida

num quarto só

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Abrigo Celeste - Cruz e Sousa

Abrigo Celeste
Cruz e Sousa

Estrela triste a refletir na lama,
raio de luz a cintilar na poeira,
tens a graça sutil e feiticeira,
a doçura das curvas e da chama.

Do teu olhar um fluido se derrama
de tão suave, cândida maneira
que és a sagrada pomba alvissareira
que para o Amor toda a minh'alma chama.

Meu ser anseia por teu doce apoio,
nos outros seres só encontra joio,
mas só no teu todo o divino trigo.

Sou como um cego sem bordão de arrimo
que do teu ser, tateando, me aproximo,
como de um céu de carinhoso abrigo.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

um dia - Paulo Leminski

um dia

 Paulo Leminski

um dia
a gente ia ser homero
a obra nada menos que uma ilíada

depois
a barra pesando
dava pra ser aí um rimbaud
um ungaretti um fernando pessoa qualquer
um lorca um éluard um ginsberg

por fim
acabamos o pequeno poeta de província
que sempre fomos
por trás de tantas máscaras
que o tempo tratou como a flores

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

A Máscara - Augusto dos Anjos

A Máscara

Augusto dos Anjos



Eu sei que há muito pranto na existência, 
Dores que ferem corações de pedra, 
E onde a vida borbulha e o sangue medra, 
Aí existe a mágoa em sua essência. 
 
No delírio, porém, da febre ardente 
Da ventura fugaz e transitória 
O peito rompe a capa tormentória 
Para sorrindo palpitar contente. 

Assim a turba inconsciente passa, 
Muitos que esgotam do prazer a taça 
Sentem no peito a dor indefinida. 

E entre a mágoa que masc’ra eterna apouca 
A humanidade ri-se e ri-se louca 
No carnaval intérmino da vida.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Contemplação da Nuvem - Antonio Brasileiro

Contemplação da Nuvem


Antonio Brasileiro


A vida é a contemplação daquela nuvem.
E o mundo
uma forma de passar, que inventamos
para não ver que o mundo não é o mundo,
mas uma nuvem
                               passando.


E uma nuvem passando
ensina-nos mais coisas que cem pássaros
mil livros            um milhão de homens.


A vida é a contemplação daquela nuvem.
E o mundo
uma forma de passar, que inventamos
para não ver que o mundo não é o mundo,
mas uma nuvem.
                               Passando.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Recato - Francisco Carvalho

Recato


Francisco Carvalho


Guarda o teu poema no fundo de uma gaveta.
Que as traças o devorem sem deixar
o mais débil vestígio de tua humanidade.

O que pensas do amor, da vida e da morte
não interessa a ninguém.
Todos estão demasiadamente distraídos
e preocupados com as precárias
liberdades do corpo e as metamorfoses da alma.

Digam o que disserem os graves e os cínicos
os bêbados e os bastardos
os que te cumprimentam todas as manhãs
com mentirosa cordialidade...
— Guarda o teu poema no fundo de uma gaveta.



domingo, 12 de fevereiro de 2012

Trem de Alagoas - Ascenso Ferreira

Trem de Alagoas

Ascenso Ferreira


O sino bate,
o condutor apita o apito,
Solta o trem de ferro um grito,
põe-se logo a caminhar…

          — Vou danado pra Catende,
          vou danado pra Catende,
          vou danado pra Catende
          com vontade de chegar...

Mergulham mocambos,
nos mangues molhados,
moleques, mulatos,
vêm vê-lo passar.

          — Adeus!
          — Adeus!
Mangueiras, coqueiros,
cajueiros em flor,
cajueiros com frutos
já bons de chupar...

          — Adeus morena do cabelo cacheado!

Mangabas maduras,
mamões amarelos,
mamões amarelos,
que amostram molengos
as mamas macias
pra a gente mamar

          — Vou danado pra Catende,
          vou danado pra Catende,
          vou danado pra Catende
          com vontade de chegar...

Na boca da mata
há furnas incríveis
que em coisas terríveis
nos fazem pensar:


          — Ali dorme o Pai-da-Mata!
          — Ali é a casa das caiporas!

          — Vou danado pra Catende,
          vou danado pra Catende
          vou danado pra Catende
          com vontade de chegar...

Meu Deus! Já deixamos
a praia tão longe…
No entanto avistamos
bem perto outro mar...

Danou-se! Se move,
se arqueia, faz onda...
Que nada! É um partido
já bom de cortar...

          — Vou danado pra Catende,
          vou danado pra Catende
          vou danado pra Catende
          com vontade de chegar...


Cana caiana,
cana roxa,
cana fita,
cada qual a mais bonita,
todas boas de chupar...

    — Adeus morena do cabelo cacheado!

          — Ali dorme o Pai-da-Mata!
          — Ali é a casa das caiporas!

          — Vou danado pra Catende,
          vou danado pra Catende
          vou danado pra Catende
          com vontade de chegar...

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Abdicação - Fernando Pessoa

Abdicação

Fernando Pessoa

Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços
E chama-me teu filho.
Eu sou um rei
que voluntariamente abandonei
O meu trono de sonhos e cansaços.
Minha espada, pesada a braços lassos,
Em mão viris e calmas entreguei;
E meu cetro e coroa — eu os deixei
Na antecâmara, feitos em pedaços

Minha cota de malha, tão inútil,
Minhas esporas de um tinir tão fútil,
Deixei-as pela fria escadaria.

Despi a realeza, corpo e alma,
E regressei à noite antiga e calma
Como a paisagem ao morrer do dia.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Edifício - Luís Antonio Cajazeira Ramos

Edifício

Luís Antonio Cajazeira Ramos


É tudo tão passado, mesmo agora,
adiante de meus olhos passadiços.
Paira em mim um mim mesmo sobre as horas
que atenta a tudo, e em tudo nunca é visto
o novo. Apenas sobre os precipícios
ergue-se o chão, mas logo desmorona,
antes mesmo que a vida entreabra os cílios.
O porvir é passado que se sonha.

Passeio nos escombros que construo,
buscando o mapa roto do futuro,
e encontro a planta baixa dos recuos.

Distraio-me dos cacos que me piso.
Um passado de vidro fere o muro.
Um resto de amanhã sopra-me um cisco.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Cogito - Torquato Neto

Cogito
Torquato Neto


eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível

eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora

eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim

eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranquilamente
todas as horas do fim.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

O Poema - Mário Quintana

O Poema

Mário Quintana


O poema é uma pedra no abismo,
O eco do poema desloca os perfis:
Para bem das águas e das almas
Assassinemos o poeta.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Procuro uma alegria - Carlos Drummond de Andrade

Procuro uma alegria


Carlos Drummond de Andrade



Procuro uma alegria
na mala vazia
do fim do ano
e eis que tenho na mão
-- flor do cotidiano --
o vôo de um pássaro
e de uma canção

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Lágrima Negra - Dante Milano

Lágrima Negra

Dante Milano



Aperto fortemente a pena ingrata
entre os dedos nervosos e trementes,
e os versos jorram, claros e estridentes,
n'uma cascata, n'uma catarata!

Escrevo, e canto cânticos ardentes,
enquanto dos meus olhos se desata
uma fiada de lágrimas de prata
como um colar de pérolas pendentes...

Eu canto o sofrimento, a ânsia incontida
de amor, que é a maior ânsia desta vida,
- a vida a que a humanidade se condena!

E todo o meu sofrer, todo, se pinta
n'este pingo de dor-- pingo de tinta,
lágrima negra que me cai da pena.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

A Idéia - Augusto dos Anjos

A Idéia
Augusto dos Anjos


De onde ela vem?! De que matéria bruta 
Vem essa luz que sobre as nebulosas 
Cai de incógnitas criptas misteriosas 
Como as estalactites duma gruta?! 

Vem da psicogenética e alta luta 
Do feixe de moléculas nervosas, 
Que, em desintegrações maravilhosas, 
Delibera, e depois, quer e executa! 

Vem do encéfalo absconso que a constringe, 
Chega em seguida às cordas do laringe, 
Tísica, tênue, mínima, raquítica ... 

Quebra a força centrípeta que a amarra, 
Mas, de repente, e quase morta, esbarra 
No mulambo da língua paralítica

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Ravel - Armando Freitas Filho

Ravel
Armando Freitas Filho

Todo telefone é terrível - negro 
guerrilheiro, à escuta na sala 
disfarçado ao lado do sofá 
à espera, no gancho 
sempre na véspera 
com o grampo da granada 
já nos dentes.
A única saída é ocupá-lo 
para que não estoure 
(não posso te agarrar aqui 
nem pelos fios dos cabelos 
pare antes que toque 
e o infinito acabe).
Todo terrível é telefone - negro 
à escuta
guerrilheiro à espera 
ao lado do sofá 
disfarçado na sala 
na véspera da granada  
com o grampo nos dentes fora do gancho 
ocupando a única saída 
para que não estoure 
(não posso nem pelos cabelos 
antes que acabe e toque 
o infinito, te agarrar, nos fios, pare 
daí).  

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

O Quarto do Suicida - Wislawa Szymborska

O Quarto do Suicida

Wislawa Szymborska


Vocês devem achar, sem dúvida, que o quarto esteve vazio.
Mas lá havia três cadeiras de encosto firmes.
Uma boa lâmpada para afastar a escuridão.
Uma mesa, sobre a mesa uma carteira, jornais.
Buda sereno, Jesus doloroso,
sete elefantes para boa sorte, e na gaveta — um caderno.
Vocês acham que nele não estavam nossos endereços?

Acham que faltavam livros, quadros ou discos?
Mas da parede sorria Saskia com sua flor cordial,
Alegria, a faísca dos deuses,
a corneta consolatória nas mãos negras.
Na estante, Ulisses repousando
depois dos esforços do Canto Cinco.
Os moralistas,
seus nomes em letras douradas
nas lindas lombadas de couro.
Os políticos ao lado, muito retos.

E não era sem saída este quarto,
ao menos pela porta,
nem sem vista, ao menos pela janela.
Binóculos de longo alcance no parapeito.
Uma mosca zumbindo — ou seja, ainda viva.

Acham então que talvez uma carta explicava algo.
Mas se eu disser que não havia carta nenhuma —
éramos tantos, os amigos, e todos coubemos
dentro de um envelope vazio encostado num copo.