terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Gesso - Manuel Bandeira

Gesso

Manuel Bandeira

Esta minha estatuazinha de gesso, quando nova
— O gesso muito branco, as linhas muito puras —
Mal sugeria imagem de vida
(embora a figura chorasse).
Há muitos anos tenho-a comigo.
O tempo envelheceu-a, carcomeu-a, manchou-a de
                                                 [ pátina amarelo-suja.
Os meus olhos de tanto a olharem,
Impregnaram-na da minha humanidade irônica de  
                                                                        [tísico
Um dia mão estúpida
Inadvertidamente a derrubou e partiu.
Então ajoelhei com raiva, recolhi aqueles tristes
       [ fragmentos, recompus a figurinha que chorava.
E o tempo sobre as feridas escureceu ainda mais o
                                          [ sujo mordente de pátina...

Hoje esse gessozinho comercial
É tocante e vive, e me fez agora refletir
Que só é verdadeiramente vivo o que já sofreu.

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